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NOTÍCIAS (N) - Que balanço faz dos 36 amos da SADC? Cerca de quatro décadas depois, a organização regional deu passos seguros para integração?
JOÃO MACHATINE (JM) - Trinta e seis anos da SADC representam um grande salto em termos de construção de uma cidadania regional, de uma rede de sólida entre os agentes económicos regionais, entre a região e o mundo. Representam uma solidificação da paz, da estabilidade política e do desenvolvimento regional. Ao celebrarmos os sucessos também devemos reflectir sobre os desafios que enfrentamos. Ao nível económico, por exemplo, a dinâmica das economias internacionais, a variação dos preços das matériasprimas afectaram profundamente os projectos e os planos de desenvolvimento da região.

Entretanto, apesar das dificuldades económicas, a região continua a ser de grande atractivo. Ela continua a ser a mais estável de África, com um dos mais altos índices de desenvolvimento. O grande fluxo da imigração de diferentes partes do continente e de outros pontos do mundo confirma que a região da SADC é promissora, com muitas potencialidades.


NOT – Terão essas dificultados influência na alteração do roteiro da SADC?
JM – Vários desafios comprometeram as metas que tinham sido estabelecidas. Em 2018, a SADC devia declarar uma Zona Monetária Comum. Já devíamos estar numa União Aduaneira, mas ainda estamos na Zona de Comércio Livre. Quando foram traçadas essas metas previa-se um nível de determinado desempenho das economias da região. Por um lado, a crise económica mundial comprometeu essas metas, por outro, é preciso reconhecer que muitos aspectos técnicos não foram observados com detalhes devidos, na altura do traçar do roteiro. Reconheçamos que nessa altura havia muito “voluntarismo”. As etapas foram desenhadas num determinado ambiente político, no qual não foram observados com rigor os aspectos técnicos-económicos. Quando foram lançadas as negociações para a execução do programa, surgiram várias interrogações. Cada Estado-membro começou a ver os “riscos”, apesar dos ganhos e perdas que as novas realidades trariam. Isso levou a SADC a parar para reflectir. Procurando ser mais realista, a organização achou que, em vez de ser determinada por metas, passaria a ser determinada pela realidade no terreno. A execução das etapas foi também comprometida devido às crises politica que atingiram alguns países da comunidade, com as economias motoras da região. Não é segredo que a crise no Zimbabwe afectou grandemente a região. É certo que temos, na África Austral uma grande economia, a sul-africana.


NOT - Falou da África do Sul. As origens da SADC assentam na Linha da Frente. A entrada deste país, em 1994, foi uma mais-valia ou uma ameaça à integração equilibrada da região, tendo em conta o seu potencial?
JM - Em 1989, houve uma conferência aqui em Maputo sob o lema “África do Sul pósapartheid”. A conclusão da conferência foi que a África do Sul depois do apartheid tudo quanto iria mudar seria o tipo de governo. Diante disto, dizia-se nessa altura, seria necessário que os países da região soubessem como lidar com o novo país. Para tirar vantagens seria muito importante o desenhar de uma estratégia, tendo em conta as ligações que a economia sul-africana tinha (tem) com o mundo, apesar das sanções (na altura). O que representa a África do Sul hoje na região? Houve grande entusiasmo com a libertação de Nelson Mandela. O fervor político ofuscou, de certa maneira, o realismo que deveria ser observado. Porém, a realidade foi gradualmente aparecendo. Hoje o desafio é os países da região reconhecerem que a África do Sul é um Estado com responsabilidades sócioeconómicas sobre a sua população, aceitarem que o comportamento do governo sulafricano é determinado, primeiro, pelos interesses do Estado sul-africano e, depois, pelos globais, e que o Estado sul-africano tem objectivos de ser um jogador global. É preciso que os países da região aproveitem a cadeia de valor da industrialização da África do Sul. A experiência diz que todas regiões económicas cercadas por uma economia industrializada prosperam desde que saibam aproveitar a cadeia de valor.


NOT – A SADC é uma comunidade de Estados, logo de pessoas. Falou de avanços na integração. Terão os cidadãos dos países da região embarcado nessa integração? Sentem os cidadãos a importância, os benefícios da SADC?
JM - A comissão nacional da SADC, com apoio de parceiros, vai fazer um estudo sobre os benefícios da SADC para o cidadão. O objectivo é aferir até que ponto a organização beneficia o cidadão, o que pode ser feito para que o cidadão aprecie a organização e porque Moçambique continua membro da SADC. Observamos que parece haver um índice muito baixo de conhecimento das vantagens, das oportunidades que a SADC oferece aos cidadãos.


NOT – Por que o cidadão tem esse desconhecimento? Por que os cidadãos não conseguem ver essas vantagens? Falta de informação, ausência de acções concretas de integração ou ele foi deixado de lado na …
JM – Um conjunto de circunstâncias. Todavia, fique claro que o cidadão é o cerne da integração, portanto não pode ser deixado de lado. Pode haver algum défice de informação sobre a organização e das acções realizadas ou em perspectiva, mas muito está a ser feito.
Por exemplo, temos a questão da livre circulação na comunidade. Nesta matéria, a SADC tende a ser mais pragmática, muito mais realista. Os desafios de segurança internacional obrigam os países da região a serem mais prudentes. Poucos países assinaram e ratificaram o protocolo nessa matéria, mas o assunto está em marcha. A maioria dos países da comunidade já firmou entre si acordos bilaterais de supressão de vistos. Isto quer dizer, por exemplo, que os moçambicanos podem ir à Africa do Sul, ao Malawi, Zimbabwe,
Botswana e outros países da região sem precisar de visto, bastando portar o passaporte. Neste momento, apenas três Estados-membros da SADC - Angola e RDCongo e Madagáscar - precisam ainda de concluir acordos com todos. Embora com algumas limitantes, já há na prática essa livre circulação. Os sucessos desses acordos bilaterais de supressão de vistos levar-nos-ão à ratificação do protocolo de livre circulação na região.


NOT - Passados os 36 anos, como definiria a região da SADC?
JM - Uma organizada seriamente comprometida com a segurança da sua população e estabilidade da região. Há um aspecto que faz da região da SADC muito única, muito particular. O nível de cooperação, de concertação política é muito profundo. É muito alto, na região, o nível de consciência dos males que os conflitos causam, os prejuízos que a insegurança produz. A região está neste patamar por causa da profunda interacção política dos seus integrantes.